[Nota Prévia: Se não ouviu o episódio a que estas linhas se referem, convido a essa audição, pois só assim será perceptível ao que nelas refiro.]
Contexto
Mesmo antes desta Páscoa de 2022, o João Póvoa Marinheiro ligou-me para dizer que tanto ele regressaria a França para fazer reportagem da 2ª Volta das Eleições Presidenciais (Macron vs. Le Pen), como o Filipe Caetano estaria de regresso à Ucrânia para continuar um trabalho que começou ainda em tempo de paz, que continuou na transição marcada pela invasão das tropas russas e nos primeiros dias do conflito e que agora retomaria já com quase dois meses de guerra.
Estas duas viagens simultâneas criavam um evidente problema no que ao Globalistas dizia respeito, mas eles próprios propuseram a solução: em vez de uma conversa gravada por Skype ou Zoom, algo diferente – cada um deles gravar e enviar, durante uma semana, o seu testemunho do dia, todos os dias.
Obviamente – por ser a forma mais pragmática e por ser um desafio interessante – aceitei a proposta e partimos para (mais um) formato diferente do Globalistas (devido a outros imprevistos, já fizemos o programa de várias outras formas).
Experimentar um formato diferente
Ao contrário do que se possa pensar “à cabeça”, experimentar novos formatos dentro de um mesmo programa pode ser – e, na minha opinião como produtor e realizador, é mesmo – saudável, porque diferentes circunstâncias requerem diferentes formas/técnicas de comunicá-las. Mas duas coisas devem estar sempre presentes: a fidelidade ao conteúdo a comunicar e o respeito para com quem recebe esse conteúdo – neste caso, quem ouve o programa – semanalmente ou pela primeira vez.
Num programa de Informação e análise de notícias/atualidade como o Globalistas, o mais importante mesmo é manter a fidelidade ao conteúdo; porque a (boa) Informação é, cada vez mais, um bem precioso e escasso.
“93: De Paris a Kiev”
Para a premissa determinada para este episódio pelos Rapazes – “Rapazes” é a forma como os trato no nosso grupo privado que temos no WhatsApp -, pensei que a melhor abordagem seria aplicar várias técnicas aplicadas, por exemplo, em documentários (áudio e vídeo) e grandes reportagens (áudio e vídeo). Mantendo sempre o conteúdo original – os testemunhos diários enviados pelo Filipe e pelo João – complementando-os sempre que possível com trabalho de reportagem referidos nos testemunhos, e/ou pontuando-os com música que acentue (sem desvirtuar) as sensações subjacentes ao que é descrito nos testemunhos.
[Desde já aqui fica a nota de que – fruto dos meus mais de 20 anos de ligação ao Jornalismo – sei perfeitamente que o complemento com trabalho de reportagem é básico e não-problemático, e que a pontuação de conteúdos de Informação com música e efeitos sonoros é uma área mais “cinzenta”. É exatamente por isso que decidi perder uns minutos a escrever estas linhas.]
Dou exemplos.
Logo ao segundo dia em Kiev, o Filipe iniciou a gravação do testemunho enquanto as sirenes ecoavam na cidade. Não é um efeito sonoro colocado em edição é mesmo o som ambiente do momento em que o Filipe iniciou o testemunho. Em edição, apenas evidenciei esse detalhe (“levantei o volume” naqueles segundos iniciais) para que quem ouvisse o programa, por exemplo, no seu smartphone sem auscultadores não ficasse privado do pormenor. Tudo linear.
No mesmo testemunho, o Filipe referiu que nesse dia tinha reencontrado o “fixer” (uma pessoa local que ajuda os jornalistas vindos de fora a movimentar-se em território desconhecido), Viacheslav, de quem se tinha separado quase dois meses antes, devido ao início da guerra. No episódio “90: Dias de guerra” o Filipe contou como foi essa separação e, por ter sido um momento emocional para ele(s), a minha opção da edição foi marcar o facto de este reencontro ser um momento especial – ainda para mais, tendo Viacheslav sido ferido em combate entre esta e a última vez em que se tinham visto. A opção foi pela colocação de uma música discreta, calma, que não retirasse qualquer peso às palavras do Filipe, mas sim que sublinhasse a emoção do momento. Os jornalistas são pessoas, têm sentimentos; trabalham com objetividade e têm emoções como qualquer ser humano.
A utilização de música naquele em qualquer outro momento deste episódio tem apenas e só a mesma função desempenhada em televisão pela música (que “prepara” o recetor para “entrar” num contexto) e pelos grafismos complementares (que acrescentam informação ao que é dito e/ou mostrado). Como é óbvio, parto do princípio da boa-fé na utilização destas ferramentas e técnicas que acabo de referir. A diferença, neste caso, é só a ausência da imagem.
Entendo que o recurso a esta técnica não seja linear. A boa-fé em todas as opções feitas é crucial e, ainda assim, a interpretação do recetor pode não ser igual à intenção do editor/realizador; ou seja, a interpretação pode ser diferente da esperada por quem recebe, trabalha e edita materiais em bruto para posterior publicação como conteúdos de comunicação finalizados.
Nos testemunhos enviados pelo João, acerca da campanha eleitoral em França, toda a música a que recorri é mais “urbana” – a campanha esteve muito centrada na região de Paris – e muito semelhante à sonoridade que “veríamos” em programas televisivos políticos/eleitorais. Foi essa a aproximação (do conteúdo exclusivamente em áudio àquele que vemos nas televisões) que quis fazer na edição destes testemunhos.
Um exemplo diferente é o da colocação de declarações de Macron e Le Pen quando o João fez a análise ao debate entre os dois candidatos e das declarações dadas por Macron ao próprio João (em reportagem), para completar as informações que os testemunhos enviados nessas duas ocasiões referiam. Também aqui, tudo linear.
Decisions… Decisions…
Como já escrevi acima, todas estas opções têm de ser feitas em boa consciência. Num programa de Informação, então, é absolutamente necessário tomar este tipo de decisões com um fator acrescido em conta: a fidelidade à objetividade da Informação.
“Boa-fé” é um termo usado muitas vezes de forma muito leviana e muitas vezes de forma perfeitamente vazia, não raras vezes para (tentar) justificar o injustificável. Eu – e só posso falar por mim, claro – tento colocar boa-fé (o conceito de respeito) em tudo o que faço, não como justificação posterior, mas como guia prévio para a comunicação que tenha a fazer.
Talvez seja por isso que estas linhas não sejam um modo de justificar o que quer que seja, mas sim de “mostrar” como faço aquilo que faço, e por que faço as coisas como as faço. Acho sempre piada a expressões como «to show how the sausage is made», ou «to look under the hood». Estas linhas são isso. Se estas linhas ajudarem alguém – sejam ouvintes deste programa, estudantes ou profissionais de Comunicação/Media, ou simples “nerds” (como eu) [aproveito para dizer “Olá!” a quem esteja a ler] -… dizia eu… se estas linhas ajudarem alguém em alguma coisa, fico feliz.